Contada por quem a viveu

Perante o desafio que me foi lançado de preencher uma lacuna existente no site da Unisseixal acerca da sua história, lancei-me com gosto na investigação do passado ainda recente, quer recolhendo dados dos documentos da época quer sobretudo servindo-me da minha memória, eu que estive por dentro de toda a iniciativa para lançamento deste aliciante projecto.

1 – Os começos

Edifício da antiga Delegação Escolar do Seixal

Em 2004, estava a CES (Casa do Educador do Concelho do Seixal) no seu segundo ano de existência (nascera oficialmente em Outubro de 2002, com sede provisória na Delegação Escolar do Seixal), dedicando o olhar para os seus sócios com pequenas iniciativas levadas a cabo numa sala emprestada pela Delegação Escolar do Seixal uma ou duas vezes por semana, com conhecimento da Câmara Municipal, na rua Emídio Guilherme Garcia Mendes, da Amora. Aí nos juntávamos para conviver nos chás das quartas-feiras e em “conversas à solta” e aí começámos a programar actividades de convívio e formação para os associados, desde um atelier de pintura “sem professor e sem alunos”, na mais pura interajuda, até às Manualidades nas segundas-feiras, com a elaboração de registos com a prof.ª Antonieta Henriques, com a pintura em porcelana com a prof.ª Fernanda Jacinto e a pintura em acrílico com o prof. A. Monteiro Alves.

O prof. Monteiro Alves, um esforçado autodidata que depois da aposentação se forma em cursos breves de pintura, era professor na Universidade Internacional da Terceira Idade, em Lisboa. E foi ele que, além de prolongada colaboração como orientador da pintura em acrílico, trouxe as conversas sobre a criação de uma universidade sénior. Mas da conversa para a frente não se passou…

Pouco a pouco, outras ocupações apareceram (estanhos, folheados a ouro…) à medida que surgiam voluntários para ensinar e interessados em aprender.

2 – Mais uns passos

Em 8 de Abril de 2005, extinta a Delegação Escolar (Dez./2004), as suas instalações são entregues pela Câmara Municipal do Seixal, à Escola do 1.º ciclo da Amora (sala maior) e à Casa do Educador (a cozinha, o corredor e a outra sala). Começámos então a ter uma sede! Crescemos em espaço e em actividades. Na cozinha, dividimos o espaço: um canto para a Direcção e o espaço maior para pintura e manualidades, que também se praticavam na sala. No corredor, talvez com dois metros de largura e quatro ou cinco de comprimento, montámos a nossa Galeria de Arte, onde se fizeram muitas exposições e se alargou o gosto pela beleza e pela arte.

Convívios entre associados, sessões de cultura e poesia, apresentação de livros, iam alternando com os cursos já referidos atrás e mais o 1.º Curso de Informática com o prof. Délio Paiva, nos poucos computadores então disponíveis, herdados da Delegação Escolar.

Mais um passo em frente foi dado em Agosto de 2005: conseguiu-se o registo da CES como IPSS (Instituição Particular de Solidariedade Social), o que implicava naturalmente o espírito de solidariedade.

Oficialmente, embora se pense (Boletim n.º 4, de Fev./2005) criar um Grupo de trabalho que estude a viabilidade de criação de uma universidade sénior, fala-se expressamente nessa hipótese no Editorial do Boletim Informativo n.º 7, de Dezembro/2005, quando a Direcção se encontrava em final de mandato. Dizia-se então: «Com algum esforço e colaboração de uns tantos, era possível pormos a funcionar uma Universidade para a Terceira Idade». Curiosamente, já a pensar nas dificuldades, o mesmo editorial referia: «Quando somos poucos, corre-se o risco de, passado algum tempo, as pessoas se cansarem e desistirem», embora também se insista no benefício do serviço aos outros: «É bom para cada um de nós o serviço de voluntariado».

3 – Nova Direcção da CES, mais serviço comunitário

Foi com a nova Direcção da CES, que tomou posse em 15/02/2006, que se veio a concretizar o que era um dos seus “Objectivos para o triénio”: «Diligenciar no sentido da criação da Universidade Sénior» (Boletim n.º 8, de Março/06).

Nos elementos da Direcção, notava-se que tínhamos pressa. Ao apresentarmos cumprimentos à Vereadora da Educação do tempo, Paula Santos, ela perguntou-nos pelos anos que precisávamos para o projecto da universidade funcionar e, quando dissemos que era já para o próximo, ela não deixou de mostrar algum espanto.

A antever os futuros apetites pelos computadores, abre-se mais uma Iniciação à Informática, durante os meses de Maio e Junho de 2006, com o prof. José Manuel Rio. Respigando do Boletim n.º 9 (Julho/2006), vemos a alegria com que se entregam certificados de formação aos alunos e professores destas aprendizagens. E não resistimos a copiar o exemplo da Prof.ª Olímpia Campos, que já então recebia certificados de aluna e de formadora, rematando a notícia com esta frase: «É uma riqueza este dar e receber, típico das aprendizagens de gente sénior»!

4 – Primeiras diligências

 A Direcção da CES, depois de tomar posse em Março/2006, envolveu-se na resolução de todos os problemas inerentes à criação da sua Universidade Sénior. O primeiro obstáculo eram os Estatutos da Casa, que no seu “objecto social” estava apenas dirigida a ajudar os seus sócios, numa visão corporativista da associação, como dizia o Sr. Carlos Pereira, ao tempo Presidente da Junta de Freguesia de Fernão Ferro, quando apresentámos aos autarcas o nosso projecto de associação. Sim, a CES nasceu sobretudo de um sonho bastante irreal, baseado em promessas de boca, que nos levaria à criação de uma residência sénior para os educadores do concelho. Acreditava-se que a Câmara Municipal nos daria um terreno e custearia as infra-estruturas para nós podermos avançar com o projecto.

Esta oferta nunca foi concretizada e nós, na Direcção, fomos dando prioridade ao convívio, à formação e cultura dos sócios. Foram assim os três primeiros anos. Basta pegar no Boletim n.º 9 para darmos conta de exposições, arraial, curso de Informática, bordados, conferências, encontros de poesia, viagem à Madeira, visitas ao Alqueva e ao Museu Maçónico e ainda a promessa de mais três passeios.

Assim, para nos voltarmos para a comunidade, era necessário alterar o objecto social da nossa associação com mais um artigo em que nos propúnhamos «Desenvolver projectos de educação e formação que ajudem à melhoria da qualidade de vida da comunidade envolvente», conforme consta da alínea d) do seu Art.º 5, que refere os fins específicos da CES. Esta alteração foi aprovada na Assembleia Geral Extraordinária de 5 de Julho de 2006. E logo a seguir avançámos para o notário, pois era obrigatório registar em escritura pública a alteração dos Estatutos. Em Setúbal, o acolhimento foi especial e o notário, Dr. João Farinha Alves procedeu à alteração dos Estatutos da CES em escritura graciosa, que ele nos ofereceu. Todos estavam connosco!

O mesmo aconteceu com a elaboração do logótipo da Unisseixal. Servimo-nos da boa vontade do Dr. Sérgio Silva, um designer filho da nossa associada, prof.ª Ilda Silva, que, depois de uma conversa com o Grupo de trabalho acerca dos nossos Objectivos, nos apresentou três esboços para uma imagem digna como logótipo da nova universidade. Esta história encontra-se num outro post deste site.

5 - E avançámos com o projecto

Era necessário conhecer os trâmites necessários para a criação de uma Universidade Sénior. Assim, a Direcção da CES criou um Grupo de Trabalho para estudar e avançar com o desenvolvimento do projecto. Faziam parte desse Grupo o Presidente, a Vice-Presidente e uma Vogal, respectivamente os prof.s António Henriques, Catarina Malanho e Antonieta Henriques, a que se juntaram mais quatro elementos: prof.s António Luís Pinto da Costa, Amélia Costa, Irene Fortes e Olímpia Campos. Foram contactados os responsáveis de algumas universidades, nomeadamente as de Almada, S. Domingos de Benfica e Loures, e ainda a RUTIS, que nessa ocasião estava já a criar uma onda avassaladora de associativismo (quando nos tornámos associados da RUTIS, ficámos já com o n.º 72), ao lado de outro movimento contestatário a que aderiram algumas novas universidades.

Com os elementos recolhidos, elaborou-se o Regulamento Interno Geral e um mais reduzido com as disposições relativas aos alunos. Este foi um trabalho feito até com minúcia a mais, em que se gastaram muitas horas de encontro e diálogo, o que revela que desde o princípio se pretendeu levar o projecto a sério, por mais que isso implicasse trabalho. Refira-se, por exemplo, que muitas universidades não possuem um Senado, aquele grupo de pessoas socialmente consideradas no concelho e que constituem um conselho consultivo em representação da comunidade. Também foram necessários muitos contactos, muito diálogo e a abordagem pessoal desses elementos para o Senado se tornar uma realidade. Desde o início até hoje, há pessoas a quem muito devemos pelo apoio que no Senado e fora dele nos deram, nomeadamente o Professor Doutor Carlos Ribeiro, o Professor Joaquim Letria, o Professor Doutor João Cosme e o próprio Presidente da Câmara que se propôs pessoalmente para ser elemento do Senado.

Foi também feita a publicitação do projecto, recorrendo à imprensa local e ainda pedindo a colaboração dos párocos para anunciar nas missas o lançamento do projecto.

6 – Recursos materiais e humanos

A Casa do Educador era uma fraca associação em termos de espaço. Como podíamos avançar para a criação de uma universidade se não tínhamos mais que uma sala disponível para turmas de 20 alunos em média? Foi este o maior desafio a que metemos ombros, quando sentimos que a Câmara não nos proporcionava nenhum espaço maior. De escola em escola, falámos com os seus responsáveis, indo ainda até à João de Barros, em Corroios e à Escola do 1.º Ciclo da Torre da Marinha. Procurávamos salas disponíveis e salas específicas de Informática com os computadores do tempo, pouco fiáveis ainda. Bastava haver uma sala com uma ou duas horas disponíveis para nós fazermos um protocolo de utilização das mesmas, pagando pequenos contributos para a limpeza e para gastos de luz e água.

Contactámos também a Junta de Freguesia de Amora e os centros do movimento associativo local. A Junta de Freguesia de Amora ofereceu o seu Auditório para as duas ou três turmas com mais alunos, colaboração que ainda hoje se mantém sem qualquer contrapartida, o que se regista com agrado e agradecimento. Igualmente o Clube Recreativo da Cruz de Pau nos abriu as portas para as aulas de Cavaquinhos. Assinámos protocolos de utilização com o Ginásio das Paivas (para Ginástica Gerontológica) e com a Piscina Municipal (para Hidroginástica).

Quanto aos recursos humanos, nem tudo foi fácil. Batemos a muitas portas, ouvimos muitos nãos (e ouvimos muitas vezes a pergunta: «quanto me pagam?»), mas também encontrámos boas-vontades suficientes para o projecto avançar. Tivemos de esperar que os professores conhecessem os seus horários em meados de Setembro, para depois nos poderem dizer se tinham disponibilidade para colaborar com a CES. Também fora da classe docente, tivemos ofertas para leccionar, mas foi mesmo a tarefa mais difícil conseguirmos os professores suficientes para a onda avassaladora de alunos que nos apareceram e que se inscreviam mesmo sem saber ainda o horário de muitas disciplinas.

O mais significativo foi as pessoas confiarem no nosso projecto (com tão parcas condições!) e, por outro lado, verificarmos a muita ansiedade com que olhavam para esta nova oferta educativa.

7 - Uma palavra mais sobre recursos humanos

A Casa do Educador estava a viver apenas com o trabalho dos associados e em regime de puro voluntariado. Com este projecto, a CES tinha base legal para concorrer às disposições do Centro de Emprego e conseguir um funcionário, daqueles que sabíamos estavam desempregados e eram colocados nas escolas como P.O.C. (?), ganhando mais 10% do seu subsídio de desemprego e acumulando ainda o subsídio de refeição e a despesa de transporte. Veio trabalhar connosco o Sr. Edmundo, que ainda hoje se mantém no seu posto, e que daí a poucos anos passou a ser nosso funcionário por inteiro. Pouco depois, conseguimos outra trabalhadora como P.O.C., colocada na sede para o serviço de limpezas. A Direcção da CES contratou ainda mais uma funcionária para os serviços administrativos, trabalhando toda esta gente nos apertados espaços em que nos movíamos. E foi sempre com as quotas dos sócios e com as propinas dos alunos que vivemos, pagando todas as despesas, à excepção da água e electricidade até 20/12/2008, dia em que, no 2.º ano da Unisseixal, passámos para a nova sede na rua Conselheiro Custódio Borja, na Amora. A partir dessa data, ficámos com a responsabilidade de todas as despesas. O grande contributo da Câmara Municipal foi até hoje a cedência gratuita do espaço-sede da Casa do Educador e da actual sede da Unisseixal no Largo dos Restauradores, 21, Seixal.

8 – A primeira Direcção da Unisseixal

Entre a Casa do Educador do Seixal e a Unisseixal, como sua valência, não havia grande separação. Todos estavam empenhados nos mesmos objectivos e por isso não se estranha que a primeira Direcção da Unisseixal fosse assim constituída:

Presidente – António Henriques, Presidente da CES;

Reitor – Doutor António Luís Pinto da Costa;

Secretária – Prof.ª Maria Amélia Costa;

Dinamizadoras Culturais – Prof.ª Catarina Malanho Semedo e Prof.ª Maria Antonieta Henriques, respectivamente Vice-Presidente e Vogal da CES.

Só passados três anos se fez a alteração do Regulamento, que deu maior autonomia à Direcção da Unisseixal nas funções pedagógicas e administrativas, continuando a ser a Direcção da CES a responsável pela tutela jurídica e financeira da sua valência.

9 - Os números

Para avançar com o projecto, tínhamos estabelecido como mínimo que houvesse 50 inscrições provisórias (Boletim n.º 9 – Julho/2006). Nos meados de Dezembro, rondavam já a centena, como anunciava o Boletim n.º 10 – Dezembro/2006), que, na sua Nota de Abertura, já afirmava: «Estamos a sentir uma onda de entusiasmo à volta da UNISSEIXAL – Universidade Sénior do Seixal, que queremos abrir em 15 de Janeiro de 2007, com mais de 20 disciplinas a funcionar». E a primeira página anunciava matrículas para os dias 2 a 10 de Janeiro.

E agora vejam como de dia para dia os números evoluíam, mesmo depois de as aulas terem começado em 15 de Janeiro de 2007... No final desse primeiro ano, atingiram-se os seguintes dados:

Alunos – 209

Turmas – 32

Disciplinas – 37

Professores – 40 (algumas disciplinas tinham dois professores!)

Pólos de ensino – 11

A dispersão destes Pólos dificultava grandemente a vida dos alunos, que corriam de um lado para outro, e a da Direcção, que não conseguia contactar facilmente com as turmas. Para memória, as aulas decorriam na sede da CES – rua Emídio Guilherme Garcia Mendes e nos seguintes espaços:  Sala da EB1 de Amora, contígua à CES, Auditório da Junta de Freguesia de Amora, Clube Recreativo da Cruz de Pau, Escola Preparatória Paulo da Gama, Escola Preparatória Pedro Eanes Lobato, Escola do 1.º ciclo da Torre da Marinha, Escola Secundária João de Barros de Corroios, Escola Secundária de Amora, Piscina Municipal de Amora e Ginásio das Paivas.

Muito me queixei no tempo, pedindo mais apoio autárquico, alegando que estávamos a «pôr ovos em ninhos alheios». No segundo ano de funcionamento da Unisseixal, o Presidente da Câmara reconheceu em sessão pública de Abertura Oficial das aulas que “a Casa do Educador não esperou por boas condições para avançar”, numa luta sem tréguas contra tanta dificuldade.

10 - Valeu a pena?

 Claro que valeu a pena! Passados dez anos, aí está cheia de vida a Universidade Sénior do Seixal a ajudar muitas centenas de cidadãos a viver com mais qualidade de vida.

 Termino com palavras pronunciadas no 2.º ano da Unisseixal, na Abertura Solene das aulas:

«Diariamente, habituámo-nos a ver rostos felizes, alimentando o sonho da novidade e quebrando de vez a apatia rotineira de muitos de nós. Vieram novos conhecimentos, novas relações sociais, novos momentos de descontração que até se refletiram num maior bem-estar e em mais saudável qualidade de vida.»

Presidente da CES e da Unisseixal no início da caminhada

                               António Henriques